terça-feira, 28 de setembro de 2021

Propaganda não é opinião (muito menos jornalismo)

 

Por Luiz Artur Ferraretto, para Coletiva.net | 27/09/2021 16:52

O que é, afinal, o Jornalismo? Trata-se de uma instituição social caracterizada pelo relato de fatos e de opiniões. Pode, inclusive, aparecer na forma da opinião explícita de quem escreve, mas isso tem lá seus limites. É importante saber a diferença entre, pelo menos, três gêneros do jornalismo: informativo, relato do fato em si; interpretativo, quando esse fato é colocado em um contexto; e opinativo, centrando o foco na posição de quem escreve ou do próprio veículo em relação ao fato. Independentemente do gênero, deve se basear na técnica. E na ética. Portanto, precisa incluir o contraditório. Não pode ser feito aos berros ou usando ofensas. Deve respeitar os direitos humanos e defender a democracia. 

O processo que leva à chegada da ultradireita ao poder em vários países - caso do Brasil - levou à conversão de alguns veículos de comunicação do jornalismo para a propaganda. Não confunda com publicidade. Uso, aqui, o termo "propaganda" para especificar o discurso ideológico e sem meias palavras, uma emulação para a mídia tradicional do que se vê nas redes sociais. É sempre marcado por muita afirmação categórica, em que alguém se coloca de forma aparentemente heroica em defesa de posições exacerbadas. São frequentes expressões como "bandido", "corrupto" ou "salvação da pátria", além de insinuações de péssimo gosto a respeito de afrodescendentes, LGBTQIA+s, mulheres, pessoas com deficiência ou povos originais. O recurso à "tradição", a "Deus" e à "família" está sempre presente de forma idealizada. De fato, o mundo acaba restrito aos valores da parcela branca, heterossexual e masculina da sociedade. Trata-se de algo que, com maior ou menor impacto, pode ser encontrado em diversas cidades do país. Parece, no entanto, estar perdendo espaço junto com o crescente descrédito de seus referenciais antidemocráticos. 

O que leva à conversão do jornalístico ao propagandístico? Obviamente, são os interesses econômicos e políticos. Entre veículos, para além do populismo e do fingido interesse em defender a "civilização", há a incapacidade de concorrer de verdade. Embora ocorram referências frequentes ao capitalismo, essas são apenas - fique claro - esparsas e remotas, utilizadas para criar um inimigo a ser atacado: o comunismo. É incrível, mas, décadas depois do fim da União Soviética e com a economia da China convertida ao consumo e ao mercado, não existe lugar onde o comunismo seja mais forte do que dentro da cabeça dos ultradireitistas brasileiros. 

Mas é preciso entender o porquê dessa rápida conversão à propaganda. Os desafios ao modelo tradicional de negócio em comunicação assustam quem sempre investiu muito mais em tecnologia do que em recursos humanos, algo fundamental na contemporaneidade. Nos principais mercados, a concorrência mudou ou desapareceu. Mudou. Por exemplo, uma emissora dedicada ao radiojornalismo pode se preocupar muitíssimo mais em perder o primeiro lugar em audiência para uma rádio popular do que para outra estação também dedicada a notícias. Desapareceu. Por exemplo, a única forma de sobreviver como empresa pode ser criar um segmento dentro do segmento, acomodando-se frente a quem lidera. São, em alguns casos, situações impensáveis há 30 ou 40 anos. 

Por óbvio, existem, ainda, as crises econômica e política. No Brasil, sempre, o Estado foi fonte de investimento publicitário. Então, pensam os desavisados: por que não ser explícito no apoio ao governo federal? Se o autoritarismo está de um lado e de outro do balcão de negócios, aproximando veículo e políticos, parece uma opção viável para alguns empresários. Se a radicalização impulsiona postagens nas redes sociais, a opção torna-se ainda mais concreta. Pois é... Mas se muda o quadro (como está mudando neste momento no Brasil)? Qual o futuro do veículo que fingiu dar opinião, mas fazia propaganda? Qual o futuro do veículo que fingiu fazer jornalismo, mas fazia propaganda? Qual o futuro do veículo que fingiu defender a liberdade de expressão, tentando destruí-la? Simples, em uma sociedade democrática, esses veículos não têm futuro. 

Luiz Artur Ferraretto é jornalista e professor.


https://coletiva.net/artigos/propaganda-nao-e-opiniao-muito-menos-jornalismo,404040.jhtml

Seminário traz experiências europeias de educação midiática

 

EDUCAÇÃO MIDIÁTICA

por  | set 26, 2021 |

Mary Taylor do Pexels 


Existe um certo consenso global de que a educação midiática, educar para lidar com a informação, seja ela online ou offline, é uma das estratégias para enfrentar a desinformação e seus efeitos. Mas a educação ou alfabetização midiática sozinha não dá conta do problema. Reforma da mídia, políticas públicas de estímulo ao letramento midiático de modo que esteja em todas as esferas da sociedade, valorização da cultura, arte e participação cidadã, além de autorregulação mais adequada por parte das plataformas são medidas adicionais apontadas por pesquisadores e especialistas que participaram do Seminário Educação Midiática e Combate à Desinformação, promovido no âmbito da Semana da Europa no Brasil. O evento reuniu representantes de universidades, governos e organizações da sociedade civil europeus envolvidos com este tema tão desafiador quanto inspirador. “A ideia é  perceber como estão tratando a educação midiática e informacional, trazer a dimensão da comunicação como direito fundamental”,  explicou Cristiane Parente, da equipe de curadoria.

“A educação ajuda mas não repõe as consequências de estar mal informado. O problema da desinformação deve ser enfrentado de forma racional e também afetiva, incluindo apoio a valores, cultura, tradições”, defendeu Ziga Turk, da Universidade de Ljubljana, Eslovênia. Para ele, as enormes mudanças na produção e consumo de notícias, com impactos no controle de qualidade, amplificação e edição das mesmas, trouxe desafios na mesma proporção para as práticas pedagógicas. 

O negacionismo e outros comportamentos extremistas, de acordo com Turk, embutem valores que precisam ser investigados e abordados para alguma mudança eficiente do cenário. 

Gianna Cappello, da Universidade de Palermo, enfatizou a necessidade de práticas que estimulem o pensamento crítico para combater a desinformação. “Educação midiática não é só sobre usar a mídia ou tecnologia, mas sobre compreensão crítica, cultura participativa, liberdade de expressão e engajamento civil”.  Cappello lembrou os primórdios da internet, quando havia uma expectativa utópica de maior participação e poder das pessoas, panorama muito distinto do que se vê hoje com a plataformização. “Com o desenvolvimento do capitalismo digital, a criatividade dos consumidores passou a ser o produto”.  

Na prática, a pesquisadora disse apostar no quadro mais amplo para ensinar como se lidar com fake news. Como, por exemplo, mostrar o oligopólio formado pelas cinco maiores empresas de tecnologia da internet ou discutir o papel dos políticos na disseminação de teorias da conspiração, levando à conscientização de que fake news não são uma questão individual e pontual.  

Entre as soluções possíveis, ela sugeriu uma combinação de reforma da mídia e restabelecimento da internet como um serviço de utilidade pública e bem comum (como água e o ar), o que demandará políticas públicas. 

Minna Harmanen, conselheira da Agência Nacional para Educação da Finlândia, trouxe o conceito de multialfabetização, a educação midiática como prática transversal para todos os assuntos da escola, desde a educação básica. “Assim, estimulamos o pensamento crítico, a capacidade de interpretar e refletir sobre tudo o que está na internet”. 

Na Alemanha, a Associação para Educação Midiática e Cultura da Comunicação (GMK) traz uma perspectiva semelhante, buscando competências práticas e engajadas na relação com a mídia. A GMK apoia projetos coletivos que envolvem cultura e tecnologia, como projeções de memórias e cultura digital, propostas multimídias de teatro e projeções. 

O mediale pfade, em Berlim, uma outra organização alemã para prevenção da radicalização online, estimula reflexões sobre racismo, sexismo e todas as formas de extremismo que tomaram as redes. Fidel Bartholdy, que o representou, trouxe algumas ideias sobre a condução do debate acerca de fake news. Para ele, o julgamento afasta as pessoas, então é preciso perguntar, ouvir e discutir com tranquilidade o assunto. Entre as técnicas que utiliza estão as ferramentas de checagem de notícias e games onde os jogadores experimentam o processo de criar notícias falsas. 

Glossário

O que é educação midiática ou alfabetização midiática informacional ou letramento midiático?

É o conjunto de habilidades para acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático em todos os seus formatos — dos impressos aos digitais.

Fonte: Educamídia

 

Conheça algumas experiências europeias de alfabetização midiática 

Finlândia

  • educação mídiática está no currículo da educação básica. Eles chamam de multialfabetização
  •  Não se trata só de interpretar e produzir textos mas desenvolver a capacidade dos alunos de interpretar e desenvolver o pensamento crítico para todos os assuntos/temas tratados na escola 
  • Diante da desinformação, eles estimulam diálogos sobre fenômenos científicos, por exemplo 
  • Algumas perguntas usadas na prática pedagógica: de onde veio esta informação, quais as fontes, é um fato ou uma opinião, quem lucra com esta notícia, o que está por trás? 

Alemanha 

  • GMK é a Sociedade de Pedagogia das Mídias e Cultura Comunicacional, reúne mais de mil instituições com interesse em estudar a mídia
  • Conceito que norteia as ações é competência de mídia, a habilidade para ler, compreender e discutir a comunicação e criar suas próprias produções midiáticas
  • Propostas de criação coletivas, envolvendo temáticas da cultura e arte 
  • Mediale Pfade é uma organização para prevenção da radicalização online 
  • Realizam oficinas e treinamentos para educadores com foco na luta contra o extremismo que tomou as redes;  utilizam técnicas de checagem e games 
  • mostram como fake news têm apelo emocional, fazem parte de estratégias políticas e podem influir na democracia e explicam como as empresas de tecnologia se beneficiam da desinformação
  • Como conduzir discussões sobre fake news: pergunte, ouça e discuta, sem julgamentos

França 

  • EMILE é um programa de mídia, informação e liberdade de expressão, vinculado ao Ministério da Cultura francês 
  • Treinam tomadores de decisão para alfabetização midiática. Por exemplo: diretor do Louvre, bibliotecários, jornalistas, arquivistas etc 
  • Alfabetização midiática é visível em todos os setores da sociedade francesa 
  • Criar acesso e oportunidade de participação através da cultura
  • Bibliotecas passaram a funcionar como pontos de acesso a cultura, informação, arte 
  • O governo exige habilidades de educação digital para os funcionários públicos 
  • Educação midiática começa aos 7 anos com jogos e ferramentas divertidas. Os alunos são encorajados a levarem questões para os pais de forma a treiná-los também

Bélgica 

  • Mediawijs, centro de mídia digital no Norte da Bélgica para treinar habilidades para mídias digitais 
  • A tecnologia digital é uma ferramenta e um objeto 
  • Dar condições para inclusão digital e habilidades para criação no ambiente online de forma que o usuário deixe de ser apenas consumidor de redes sociais 
  • Uso da arte e tecnologia, makerspaces, performances digitais, uso de arquivos, imagens, reflexão sobre o papel da arte 

União Europeia 

  • Criou o EAVI, uma organização sem fins lucrativos voltada para alfabetização midiática e promoção da cidadania. A organização apoia iniciativas que preparam os cidadãos para ler, escrever e participar da vida pública através dos meios de comunicação 
  • Conceito fundamental é o pensamento crítico, voltar ao básico
  • Habilidade de estar atento ao que se passa ao nosso redor 
  • Alfabetização midiática não é só um processo racional, precisa acessar o emocional
  • O exercício de se tornar cidadão antecede a habilidade para uso de ferramentas da mídia digital 


https://desinformante.com.br/seminario-traz-experiencias-europeias-de-educacao-midiatica/


quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Artigo | Entenda por que a discussão sobre regulação da mídia sempre volta

 

COMUNICAÇÕES

A falta de regulação gera e perpetua a concentração dos meios de comunicação e garantem a manutenção de monopólios

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Heródoto Barbeiro, Adalberto Piotto e uma conversa sobre a opinião para “lacrar”

 

Jornalistas conversam sobre questões relacionadas à imprensa

Anderson Scardoelli

A edição desta semana de ‘Pensando o Brasil’, programa de entrevistas apresentado por Adalberto Piotto e produzido em parceria com o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), recebeu um “Mestre do Jornalismo”: Heródoto Barbeiro. Ao participar da atração, o jornalista colocou em discussão o trabalho da própria imprensa.

Vencedor do Prêmio Comunique-se na categoria ‘Âncora de Rádio’ em três oportunidades, Heródoto usou a experiência como historiador e professor para analisar determinados assuntos. Na conversa com Piotto, ele destacou, por exemplo, os reais sentidos de palavras como “genocida” e “fascita”. “Banalização”, definiu o comentarista da Record News.

 

Chamar alguém de genocida é algo gravíssimo

Heródoto Barbeiro

“Em vez de eu discordar de você e das suas ideias (…), eu prefiro ‘carimbar’ você com alguma coisa que a sociedade possa entender como ruim”, exemplificou Heródoto Barbeiro. “Muitas pessoas não sabem o que é o fascismo”, enfatizou. “Chamar alguém de genocida é algo gravíssimo. Quando você fala de genocida, eu me lembro de dois. Na direita, Hitler. Na esquerda, o Stalin”, continuou o jornalista.

De forma direta — e geral —, Heródoto teceu críticas à imprensa atual. Nesse sentido, indicou a necessidade de se ler (e entender) determinado assunto antes de emitir alguma opinião. A opinião da era do ‘lacrar‘, conforme define a equipe do portal do CIEE. “Se perguntar numa redação o que é o Ministério Público, a maioria vai dizer que ele faz parte do poder Judiciário”, lamentou o “Mestre do Jornalismo”.

Heródoto Barbeiro, Adalberto Piotto e o jornalismo na era das redes sociais

Questionado a respeito de como os jornalistas e os veículos de comunicação devem se portar diante de conteúdos replicados a todo instante em plataformas de redes sociais, Heródoto Barbeiro destacou a necessidade de se diferenciar pela credibilidade. “Temos que fazer aquela pergunta clássica: será que isso é verdade?”. Para isso, é preciso apurar, ressaltou. Por fim, o entrevistado lembrou que profissionais da imprensa devem sempre ter em mente uma coisa: “quem julga é o público”.

Assista à conversa entre Heródoto Barbeiro e Adalberto Piotto: 




Anderson Scardoelli

Jornalista, 31 anos. Natural de São Caetano do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM. Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos, período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de 2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que ocupa atualmente.

https://portal.comunique-se.com.br/herodoto-barbeiro-adalberto-piotto-e-uma-conversa-sobre-a-opiniao-para-lacrar/