Por Luiz Artur Ferraretto, para Coletiva.net | 27/09/2021 16:52
O que é, afinal, o Jornalismo? Trata-se de uma instituição social caracterizada pelo relato de fatos e de opiniões. Pode, inclusive, aparecer na forma da opinião explícita de quem escreve, mas isso tem lá seus limites. É importante saber a diferença entre, pelo menos, três gêneros do jornalismo: informativo, relato do fato em si; interpretativo, quando esse fato é colocado em um contexto; e opinativo, centrando o foco na posição de quem escreve ou do próprio veículo em relação ao fato. Independentemente do gênero, deve se basear na técnica. E na ética. Portanto, precisa incluir o contraditório. Não pode ser feito aos berros ou usando ofensas. Deve respeitar os direitos humanos e defender a democracia.
O processo que leva à chegada da ultradireita ao poder em vários países - caso do Brasil - levou à conversão de alguns veículos de comunicação do jornalismo para a propaganda. Não confunda com publicidade. Uso, aqui, o termo "propaganda" para especificar o discurso ideológico e sem meias palavras, uma emulação para a mídia tradicional do que se vê nas redes sociais. É sempre marcado por muita afirmação categórica, em que alguém se coloca de forma aparentemente heroica em defesa de posições exacerbadas. São frequentes expressões como "bandido", "corrupto" ou "salvação da pátria", além de insinuações de péssimo gosto a respeito de afrodescendentes, LGBTQIA+s, mulheres, pessoas com deficiência ou povos originais. O recurso à "tradição", a "Deus" e à "família" está sempre presente de forma idealizada. De fato, o mundo acaba restrito aos valores da parcela branca, heterossexual e masculina da sociedade. Trata-se de algo que, com maior ou menor impacto, pode ser encontrado em diversas cidades do país. Parece, no entanto, estar perdendo espaço junto com o crescente descrédito de seus referenciais antidemocráticos.
O que leva à conversão do jornalístico ao propagandístico? Obviamente, são os interesses econômicos e políticos. Entre veículos, para além do populismo e do fingido interesse em defender a "civilização", há a incapacidade de concorrer de verdade. Embora ocorram referências frequentes ao capitalismo, essas são apenas - fique claro - esparsas e remotas, utilizadas para criar um inimigo a ser atacado: o comunismo. É incrível, mas, décadas depois do fim da União Soviética e com a economia da China convertida ao consumo e ao mercado, não existe lugar onde o comunismo seja mais forte do que dentro da cabeça dos ultradireitistas brasileiros.
Mas é preciso entender o porquê dessa rápida conversão à propaganda. Os desafios ao modelo tradicional de negócio em comunicação assustam quem sempre investiu muito mais em tecnologia do que em recursos humanos, algo fundamental na contemporaneidade. Nos principais mercados, a concorrência mudou ou desapareceu. Mudou. Por exemplo, uma emissora dedicada ao radiojornalismo pode se preocupar muitíssimo mais em perder o primeiro lugar em audiência para uma rádio popular do que para outra estação também dedicada a notícias. Desapareceu. Por exemplo, a única forma de sobreviver como empresa pode ser criar um segmento dentro do segmento, acomodando-se frente a quem lidera. São, em alguns casos, situações impensáveis há 30 ou 40 anos.
Por óbvio, existem, ainda, as crises econômica e política. No Brasil, sempre, o Estado foi fonte de investimento publicitário. Então, pensam os desavisados: por que não ser explícito no apoio ao governo federal? Se o autoritarismo está de um lado e de outro do balcão de negócios, aproximando veículo e políticos, parece uma opção viável para alguns empresários. Se a radicalização impulsiona postagens nas redes sociais, a opção torna-se ainda mais concreta. Pois é... Mas se muda o quadro (como está mudando neste momento no Brasil)? Qual o futuro do veículo que fingiu dar opinião, mas fazia propaganda? Qual o futuro do veículo que fingiu fazer jornalismo, mas fazia propaganda? Qual o futuro do veículo que fingiu defender a liberdade de expressão, tentando destruí-la? Simples, em uma sociedade democrática, esses veículos não têm futuro.
Luiz Artur Ferraretto é jornalista e professor.
https://coletiva.net/artigos/propaganda-nao-e-opiniao-muito-menos-jornalismo,404040.jhtml
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