Por Marcelo Pires, para Coletiva.net | 18/03/2022 19:08
Semana passada, publiquei aqui em Coletiva.net
um texto (quase tutorial) sobre como apresentar ideias. Só que, pra
apresentar, eureka!, é preciso ter ideias. As dicas de hoje, então, são
como facilitar a chegada de conceitos, formas, soluções.
Que fique claro: estamos falando de ideias para Comunicação, a partir de uma necessidade de Marketing. Certo?
Então, primeiríssimo passo:
- Tenha muito clara qual é a tal necessidade de Marketing. O que queremos que fique claro para o consumidor? Valorize o fato de que você tem que resolver um ponto bem específico: o desafio nunca deve ser tipo "mais visibilidade para marca x, citar o serviço y, fortalecer a empresa z". A imagem é meio batida - mas é verdadeira: você não entra no táxi e diz "ande". Você diz a rua, o número, o bairro - e, às vezes, até sugere o trajeto. Descubra direitinho aonde você quer chegar antes de embarcar na criação.
- Sabendo qual é o assunto, saiba mais a respeito do produto como um todo. A marca tem site? Espie. Tem redes sociais? Fuce. Já anunciou? Reveja. A marca é bem posicionada? Respeite. Trate a comunicação já existente com carinho: aquilo é patrimônio. Mesmo que você vá sugerir mudanças, considere o que foi manifestado até ali. Dizem que, até achar o amor certo, a gente se diverte com os errados. É isso: os errados podiam estar fazendo bobagem no geral - mas, quem sabe, estavam indo bem em áreas específicas.
- Dê uma boa olhada no que anda fazendo a concorrência do produto ou serviço que você vai anunciar. Isso gera parâmetros, além de deixar claro o que você não deve repetir. Como você já vai estar tomando contato com a comunicação em si, esta etapa é estimulante: ver os outros dançarem dá vontade de dançar. Averiguar grandes "cases" atemporais da categoria do produto em questão também ajuda. Desde que tudo isso sirva como orientação, não como algo a ser copiado. Não vale, trabalhando para uma marca de tênis, decidir fazer o mesmo comercial que a Nike acabou de lançar. Olha, tem um monte de gente que faz isso - chama de "tendência" e, pronto, copia adoidado.
- Nunca esqueça, você é comunicador, não especialista no negócio do anunciante que está divulgando. O seu talento é saber anunciar automóveis, não construí-los. Tenha sempre isso em mente: o cliente conhece o negócio dele - você tem que entender de linguagem.
- Informado sobre a marca, comece a pensar no público desta marca. Que música o consumidor em questão ouve? Que filmes aprecia? A quais aplicativos é fiel? Assiste a que tipo de programa de TV? A qual série? Na sua família, quem tem a cara deste consumidor? Por exemplo, se for a sua mãe... oba, pensar na mãe da gente é mais agradável do que pensar na mulher A/B com mais de 65 anos.
- Divirta-se neste processo de ir pensando nas pessoas: lembre de situações em que você se envolveu com gente do mesmo perfil. Vá anotando - mas não se preocupe ainda em "botar no papel". Rabisque. Salve coisas. Guarde links. Antes de colocar pra cozinhar, a gente tempera, certo? Estamos ainda temperando.
- Vá tomar água. Fale de outra coisa. Ligue pra alguém que você gosta. Assobie. Fique em dúvida se é "assobie" ou "assovie". Neste pensar sem pensar, ideias começam a aparecer. Um estalo, uma fagulha e, pronto, dá vontade de, aí sim, escrever.
- Dizem que pra ter uma ideia é 10% inspiração e 90% transpiração. Independentemente da soberba de quem cita índices assim tão precisos, transpirar é preciso. Escreva. E reescreva. E escreva de novo. Não existe ideia quando ela não é colocada no papel: não deixe as coisas no ar (na nuvem da internet até pode deixar). Você tem que registrar os seus conceitos, os seus pensamentos, os seus layouts. De uma maneira, inclusive, que os outros entendam. Rabisco é bonitim em criança.
- "Vamos dormir com as ideias e falamos mais amanhã." O pressuposto, portanto, é que já tenham rolado ideias. Se já rolaram uns caminhos, vale, sim, esquecê-los um pouco. Vá viver. Fazer coisa melhor. Distrair-se. No outro dia, você terá uma opinião mais precisa a respeito do que já escreveu. Daí, naturalmente vai botar ideia fora, vai ver o que tinha valor, vai reescrever algumas coisas e daí sim sentir o que veio e o que não veio. É comum, neste ponto, que apareçam conceitos novos do que já existiam, novas abordagens. Ótimo: aproveite. Engrosse o caldo.
- Não sei se vou conseguir deixar clara a importância desta próxima dica - mas ela é essencial pra mim. Procure ideias que têm a ver com a marca que você está pensando - que tenha uma relação direta com o assunto. Por exemplo: se você vai divulgar um rum e ele é cubano, cogite pensar em Cuba - isso, de cara, elimina do páreo todos os runs que não são "legítimos". E - seguindo meu exemplo - se o rum em questão se chama, sei lá, Fidel, isto é um excelente e exclusivo ponto de partida. Sinto que, hoje em dia, há um costume de achar bem-vindo tudo que tem tempero atitudinal - uma ânsia de criar hashtags, contemporaneidades. Com isso, as grandes causas atropelam as peculiaridades. Tendo um Fidel (Gold ou Siver) nas mãos, não vá abordar, sei lá, "a importância de reunir pessoas em torno de um copo para eliminar discórdias tão corriqueiras hoje em dia nas redes sociais". Esta campanha do copo (#rodadadetolerância) serviria pra qualquer bebida - de Fanta Uva a Espumante de Kumbucha. E rum é melhor do que isso.
- No processo de criação, costumo ler em voz alta coisas que escrevo. Parece que, assim, os textos existem. Ganham expressão. Estabelece-se o tempo das peças, tempo no sentido de pulsação, de andamento. Recomendo que você faça o mesmo: em voz alta, muito texto se revela mal escrito. Esta leitura "sonora" ajuda, inclusive, na próxima etapa a que estamos chegando. A seleção do que fica e do que não fica.
- Com a agilidade da internet, com a facilidade em postar, os textos e imagens ficaram imediatos. E, muitas vezes, ruins. Revisão é coisa ultrapassada. Esta falsa espontaneidade (eu chamaria de descaso mesmo) está influenciando textos e imagens como um todo. Acredite: nunca vi tanto texto ruim sendo publicado. Tudo em nome do "autêntico", de uma suposta linguagem falada. Bobagem: para algo parecer natural tem que ser muito trabalhado.
- Comece a selecionar. Faça uma compilação. Dê uma caprichada na forma. Organize a "casa" pras visitas. Você vai ter que discutir com os outros - e os outros, algumas vezes, são seus chefes. Portanto, organize o samba. Só os gênios improvisam bem. E os gênios são raros.
- Respeite as suas manias. Detesta mesa bagunçada? Organize. Tem ideias no chuveiro? Estique o banho. Gosta de ouvir música? Tasque um fone. Caminhar faz você pensar melhor? Vá pra rua. Cada louco com seu jeito. Eu conheço gente que fica brilhante depois de usar "aditivos" (maconha, por exemplo). Mas também conheço gente que fica insuportavelmente improdutiva quando fuma ou bebe (a maioria). A minha droga, confesso, é café.
- Não esnobe ideias (suas ou dos outros) que pareçam, em princípio, malucas. Uma sugestão "odara" é melhor do que uma proposta clichê. A ideia zureta pode nascer ridícula - mas, retrabalhada, pode se revelar poderosa.
- Tem uma história com o Quintana, o poeta, que eu acho muito significativa. Um chato lá visitou ele na redação do Correio do Povo e pediu pra trocar ideias. Resposta do Seu Mário: "Trocar ideias? Não, eu posso sair perdendo". Na hora de ter ideias, se aproxime (sempre que possível) de quem tem, no mínimo, boas ideias - não de quem só avalia e critica e pondera e comenta e lembra que o prazo está se acabando. Criar é diferente de opinar. Respeite a "cozinha" do restaurante. Só deixe entrar quem não estrague o ponto do molho.
- E não seja aquele tipo de pessoa que teve uma ideiazinha e já sai gritando que, pronto, descobriu a pólvora. Tenha uma, tenha outra, tenha várias ideias - e depois decida se tem alguma pólvora ali.
- Ajudei? Espero que sim. Última dica: nunca esqueça que existe a palavra "rir" dentro da palavra criar. Sem mau humor, tudo acontece mais fácil.
Marcelo Pires é publicitário, consultor e roteirista. O Silva da Ideia da Silva.
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